“Os que continuam no SNS, para mim, são heróis”
Aos 33 anos, e depois de um burnout, o oncologista no IPO do Porto decidiu pousar o estetoscópio. Após anunciar a decisão, João Dias ficou “assustado” com as mensagens que recebeu de outros profissionais: “As pessoas estão cansadas e a pedir ajuda.” Um testemunho na primeira pessoa, construído a partir de uma entrevista.
‘Estava esgotado’
No IPO do Porto, estivemos relativamente salvaguardados durante a pandemia de covid-19, mas depois começámos a levar com as consequências. Percebemos que tínhamos doentes a chegar numa fase mais avançada, não sei se por atrasos nos diagnósticos, mas muito por causa de terem receio de procurar ajuda.
Foi por volta de Maio/Junho de 2021 que comecei a ter a percepção de um grande peso de responsabilidade e a acusar alguns sintomas de burnout. Chegava às consultas e tinha uma lista de 13 doentes para ver, com doenças graves, e sabia que, acontecesse o que acontecesse, tinha de os ver a todos.
Ao fim de algum tempo, os sintomas acabam por transparecer para os doentes também, porque estamos um bocadinho mais irritáveis, temos menos paciência para explicar as coisas, respondemos mais impulsivamente.
Esta luta interna constante entre aquilo que eu precisava de fazer pelos meus doentes, aquilo que o sistema me permitia fazer e, por outro lado, aquilo que os doentes exigiam de mim, não era possível gerir do ponto de vista mental.
Portanto, tomei a decisão de me afastar em Outubro/Novembro de 2021. O último dia foi a 1 de Julho. Pensei em fazer investigação, em trabalhar na área da tecnologia e informática e quase mudei de ideias com uma proposta do Reino Unido. O NHS [Serviço Nacional de Saúde britânico] não é um mar de rosas, também tem muitos problemas, mas do ponto de vista financeiro não tinha nada que ver com o que eu ganhava e há uma preocupação com o bem-estar do profissional, que em Portugal não existe.
Hoje pouso o estetoscópio. Levo 6 anos de curso, 9,5 de trabalho, um burnout que me levou à saída e uma admiração por quem consegue continuar, apesar e contra o sistema, a cuidar da saúde de quem precisa. pic.twitter.com/QmJpLLqxze
— João Dias (@joaomaiadias) July 1, 2022
Fonte: publico.pt